Preocupada com as condições do local onde as crianças deveriam se divertir no recreio, ela montou um projeto e saiu em busca de apoio
Rodrigo Lopes e Jefferson Botega
rodrigo.lopes@zerohora.com.br e jefferson.botega@zerohora.com.br
Em uma das últimas etapas de sua viagem pelo Rio Grande do Sul, mostrando a vida e as histórias de quem ajuda a forjar o retrato do povo gaúcho, o jornalista Rodrigo Lopes e o fotógrafo-cinegrafista Jefferson Botega, mostram o esforço e a dedicação da professora Angélica, de Canguçu.
Dois tocos de madeira fincados no areião são a goleira de futebol do pátio da Escola Municipal Henrique Germano Brockmann, no Bairro Vila Fonseca, em Canguçu, Região Sul do Estado. O vento provoca redemoinhos na areia, onde seria um campo de futebol esburacado.
Não estranhe se você passar pela rua e avistar lá embaixo, no patio, em meio àquela poeira toda, uma jovem tirando fotos com uma pequena máquina digital. Trata-se da professora Angelica Rocha da Silva, 29 anos. Preocupada com as condições do local onde as crianças deveriam se divertir no recreio, ela teve uma ideia: fotografar as carências da quadra, imprirmir as fotos, montar um projeto e sair em busca de apoio. Primeiro, a professora vai bater na porta da Secretaria Municipal da Educação, depois buscará a ajuda de empresários locais.
– Cansei de ver as crianças no recreio só correrem e se machucarem – diz.
Esforço para melhorar
Foi graças a iniciativas como a de Angelica, com abaixo-assinados e apelos, que os professores conseguiram ampliar o prédio da escola. Há oito anos, era um pequeno prédio, com três salas de aula. Hoje, a estrutura de dois andares, com laboratório de computação, biblioteca, e novas salas de aula faz Angelica caminhar pelos corredores com orgulho.
– Tudo isso foi uma conquista da comunidade escolar – afirma.
O que faz uma jovem como Angelica, que ouve Charlie Brown Jr. e música gauchesca no MP3 e viaja de ônibus para trabalhar, insistir na profissão da qual tantos brasileiros já desistiram? Talvez o rosto de Paulo, Maria, algumas das dezenas de crianças que ela ensinou a ler em oito anos de magistério. Um aluno, que chega de chinelo de dedo, com frio, no inverno, e tem dificuldade de juntar as letras. Ou mesmo uma menina que não tem xampu em casa para lavar o cabelo.
– É muito legal quando eles se dão conta de que estão escrevendo. Eu me realizo todos os anos.
Não fosse essa realização, Angelica já teria deixado o Magistério. A cada ano, ela faz concursos públicos para o Banco do Brasil, Embrapa, na esperança de conseguir um emprego melhor. E é com os olhos cheios d’água que diz:
– Não queria deixar a profissão, mas é uma questão de sobrevivência.
No começo, o medo
Não fossem a resistência dos pais de Angelica, talvez os alunos ficassem sem a bravura da professora. Na adolescência, ela planejava estudar Desenho Industrial. Mas teria de viajar para fazer faculdade em Pelotas, distante 40km do município. Os pais preferiam que ela ficasse.
Angelica fez magistério e trabalhou em uma escola em Coxilha dos Amaral, no interior de Canguçu. Quando foi convidada para se mudar para Vila Fonseca, sentiu medo. A região era conhecida pela violência.
– Mas depois vi que não era tanto assim. Mais era a fama – garante.
Tudo isso por R$ 600
Criança fala o que pensa, o que vê. Sempre a verdade, nem sempre a mais bonita de se ouvir.
– Essa noite não dormi, porque meu pai chegou bêbado – escutou Angélica de um menino.
Certa vez, ela convocou a mãe de um aluno para conversar sobre o desempenho do filho. A mulher chegou à escola alcoolizada. Para ser um pouco mãe, psicóloga e até professora em um município com 12,97% de analfabetismo, Angelica recebe um salário de R$ 600. Para aumentar a renda, trabalha mais 20 horas semanais em outra escola:
– Isso é o pior, queria trabalhar apenas um turno, me preparar melhor no outro turno.
DIÁRIO GAÚCHO
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