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Irmãos de Canguçu ganham repercussão internacional

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Quatro agricultores que sofrem da síndrome responsável pelo andar de quadrúpede são o tema de hoje da série que retoma fatos marcantes divulgados nos 46 anos de ZH. A vida deles mudou, dois já se locomovem eretos com o apoio de equipamento. E a ciência avança para desvendar a doença.

Dona Zulmira planta feijão do tipo amendoim na terra úmida, a confiar que a influência da Lua cheia apressará a germinação das sementes, mas não desgruda os olhos das filhas que estão nas proximidades. Nedi e Neusa já têm 46 e 44 anos, mas são como crianças travessas que recém aprenderam a caminhar. Desde que ganharam andadores de metal, pararam de se locomover como quadrúpedes.

Os receios da mãe não se confirmam. Nedi e Neusa não se desequilibram no pátio irregular da propriedade agrícola, situada no distrito de Boa Vista do Faxinal, em Canguçu, no sul do Estado. Movimentam-se lentas, medem cada passo, as mãos apoiadas na estrutura que as mantêm eretas.

– De vez em quando o andador vira, então elas caem – preocupa-se Zulmira Borges Quintana, 64 anos.

Em maio de 2006, ZH mostrou os quatro agricultores que andam com os pés e as mãos – Zulmira tem mais dois filhos com a deficiência, Elton, 47 anos, e Adão, 42 anos. A situação deles melhorou desde então. A comunidade providenciou uma casa para a família, que antes vivia numa choupana tão precária que era invadida por cruzeiras, cobras abundantes na Serra dos Tapes.

A principal evolução para eles, no entanto, foram os andadores. Permitiram que Nedi e Neusa abandonassem a posição de primatas. Elton utiliza-se de um bambu, apenas para ficar de pé, não consegue caminhar só com a bengala.

– Um andador custa R$ 40, mas não temos isso – lamenta-se Zulmira.

Entre os Quintana, o caçula Adão é o mais reservado. Seus irmãos cumprimentam as visitas, usam a linguagem universal do sorriso, estendem a mão cuja palma é áspera como um solado. Mas ele permanece na antiga habitação – rejeitou o novo lar –, a falquejar um cabo de enxada. Detesta intromissões, no que é auxiliado pelo cão Bolinha, que rosna contra as canelas dos jornalistas, protegendo – com toda razão – a privacidade do seu dono.


MÃE SUSTENTA FAMÍLIA COM TRABALHO BRAÇAL
A condição dos quatro moradores de Canguçu repercutiu pelo mundo. Em julho de 2007, o International Journal of Neuroscience, de Londres, publicou artigo dos pesquisadores pelotenses Gilberto Garcias e Maria da Graça Roth. O título: “Uma família brasileira com caminhar quadrúpede, retardo mental severo, características faciais grosseiras e hirsutismo”.

No trabalho científico, consta que a síndrome não “tem registro anterior” – portanto, seria inédita. Acompanhando os quatro irmãos há 18 anos, Garcias acredita que a doença tenha sido causada pela consanguinidade dos pais. Elton, Nedi, Neusa e Adão são filhos de primos. O pai já morreu.

O diagnóstico sobre o mal poderia avançar, mas os pacientes não querem tirar amostras de sangue para análises de DNA. Professor na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), o médico geneticista Garcias observa que se deve respeitar a vontade deles. A ética humana está acima dos interesses da ciência.

Os Quintana sobrevivem numa área de sete hectares. Os quatro com deficiência não conseguem ajudar Zulmira, que se vira sozinha. Cuida dos animais e das lavouras, até de tarefas mínimas como prender um galo vermelho no arapucão, para que não esgaravate a horta.

Zulmira se casou novamente depois de enviuvar, teve outro filho (sem qualquer vestígio da síndrome), mas o marido foi embora. Acha que não existe homem disposto a enfrentar o serviço bruto da roça, naquele fundão de natureza exuberante, mas longe da civilização.

E trata de continuar semeando o feijão-amendoim, para aproveitar a fase da Lua. A plantadeira manual, tipo perna de grilo, ecoa um tec-tec, o bico de metal perfurando o chão, depositando os grãos nos canteiros. Se não faltar chuva, Zulmira encherá a panela de feijão em dezembro, antes do Natal, garantindo a mesa dos filhos.

– Eles são minhas crianças – diz ela, zelosa por seus rebentos.

ZERO HORA
Foto:Nauro Junior
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