Recentemente foi lançado no
mercado cultural um livro
mediúnico trazendo as reflexões de um padre depois da morte, atribuído, justamente, ao Espírito Dom Helder Camara, bispo
católico, arcebispo emérito de
Olinda e Recife, desencarnado no dia 28 de agosto de 1999, em Recife (PE).
O livro psicografado pelo
médium Carlos Pereira, da
Sociedade Espírita Ermance Dufaux, de Belo Horizonte, causou muita surpresa no meio espírita e
grande polêmica entre os católicos. O
que causou mais espanto entre todos foi a participação de Marcelo Barros, monge beneditino e
teólogo, que durante nove anos
foi secretário de Dom Helder
Câmara, para a relação ecumênica com as igrejas cristãs e as outras religiões.
Marcelo Barros secretariou
Dom Helder Câmara no período de
1966 a 1975 e tem 30 livros publicados. Ao prefaciar o livro Novas Utopias , do
espírito Dom Helder, reconhecendo a
autenticidade do comunicante, pela originalidade de suas idéias e, também, pela linguagem, é como se a
Igreja Católica viesse a público
reconhecer o erro no qual incorreu muitas vezes, ao negar a veracidade do fenômeno da comunicação entre vivos
e mortos, e desse ao livro de
Carlos Pereira, toda a fé necessária como o Imprimátur do Vaticano.
É importante destacar, ainda, que
os direitos autorais do livro foram
divididos em partes iguais, na doação feita pelo médium, à
Sociedade Espírita Ermance Dufaux
e ao Instituto Dom Helder Câmara, de Recife, o que, aliás, foi aceito pela
instituição católica, sem qualquer
constrangimento.
No prefácio do livro aparece
também o aval do filósofo e
teólogo Inácio Strieder e a opinião favorável da historiadora e pesquisadora Jordana Gonçalves Leão,
ambos ligados à Igreja Católica.
Conforme eles mesmos disseram, essa obra talvez não seja uma produção direcionada aos espíritas, que já
convivem com o fenômeno da comunicação, desde a codificação do
Espiritismo; mas, para uma grandiosa
parcela da população dentro da militância católica, que é chamada a conhecer a verdade espiritual, porque
"os tempos são chegados", estes ensinamentos pertencem à natureza e, consequentemente,
a todos os filhos de Deus.
A verdade espiritual não é
propriedade dos espíritas ou de
outros que professam estes ensinamentos e, talvez, porque, tenha chegado o momento da Igreja Católica admitir,
publicamente, a existência
espiritual, a vida depois da morte e a comunicação entre os dois mundos.
Na entrevista com Dom Helder Câmara,
realizada pelos editores, o Espírito
comunicante respondeu as seguintes perguntas sobre a vida espiritual:
Dom Helder, mesmo na vida espiritual, o senhor se sente um
padre?
Não poderia deixar de me
sentir padre, porque minha alma,
mesmo antes de voltar, já se sentia padre. Ao deixar a existência no corpo físico, continuo
como padre porque penso e ajo como
padre. Minha convicção à Igreja Católica permanece a mesma, ampliada,
é claro, com os
ensinamentos que aqui recebo,
mas continuo firme junto aos meus
irmãos de Clero a contribuir, naquilo que me seja possível, para o bem da humanidade.
Do outro lado da vida o senhor tem alguma facilidade a mais
para realizar seu trabalho e
exprimir seu pensamento, ou ainda encontra muitas barreiras com o preconceito religioso?
Encontramos muitas barreiras.
As pessoas que estão do lado de cá
reproduzem o que existe na Terra. Os mesmos agrupamentos que se
formam aqui se reproduzem na Terra.
Nós temos as mesmas dificuldades de
relacionamento, porque os pensamentos continuam firmados,
cristalizados em crenças em
determinados pontos que não levam a nada. Resistem a ideia de evolução dos conceitos. Mas, a
grande diferença é que por estarmos
com a vestimenta do espírito, tendo uma consciência mais ampliada
das coisas podemos dirigir os
nossos pensamentos de outra maneira e assim influenciar aqueles que estão na Terra
e que vibram na mesma sintonia.
Como o senhor está
auxiliando nossa sociedade na
condição de desencarnado?
Do mesmo jeito. Nós temos as mesmas
preocupações com aqueles que passam fome, que estão nos hospitais, que são
injustiçados pelo sistema que subtrai
liberdades, enriquece a poucos e colocam na pobreza e na miséria
muitos; todos aqueles desvalidos
pela sorte. Nós juntamos a todos que pensam semelhantemente a nós, em tarefas
enobrecedoras, tentando colaborar
para o melhoramento da humanidade.
Como é sua rotina de trabalho?
A minha rotina de trabalho é,
mais ou menos, a mesma..
Levanto-me, porque aqui também se descansa um pouco, e vamos desenvolver atividades para as quais
nos colocamos à disposição. Há
grupos que trabalham e que são organizados para o meio católico,
para aqueles que precisam de
alguma colaboração. Dividimo-nos em grupos e me enquadro em algumas atividades que
faço com muito prazer.
Qual foi a sua maior
tristeza depois de desencarnado?
E qual foi a sua maior alegria?
Eu já tinha a convicção de que
estaria no seio do Senhor e que
não deixaria de existir. Poder reencontrar os amigos, os parentes, aqueles aos quais
devotamos o máximo de nosso apreço
e consideração e continuar a trabalhar, é uma grande alegria. A alegria do trabalho para o Nosso
Senhor Jesus Cristo. O senhor, depois de
desencarnado, tem estado com frequência nos Centros Espíritas?
Não. Os lugares mais comuns
que visito no plano físico são os
hospitais; as casas de saúde; são lugares onde o sofrimento humano se faz presente.
Naturalmente vou à igreja, a
conventos, a seminários, reencontro com amigos, principalmente em sonhos, mas minha permanência mais
freqüente não é na casa espírita.
O senhor já era reencarnacionista antes de morrer?
Nunca fui reencarnacionista, diga-se de
passagem. Não tenho sobre este ponto um
trabalho mais desenvolvido porque esse é um assunto delicado, tanto
é que o pontuei bem pouco no
livro. O que posso dizer é que Deus age
conforme a sua sabedoria sobre as nossas vidas e que o nosso grande objetivo é buscarmos a felicidade
mediante a prática do amor. Se for
preciso voltar a ter novas experiências, isso será um processo
natural.
Qual é o seu objetivo em escrever mediunicamente?
Mudar, ou pelo menos
contribuir para mudar, a visão que as pessoas têm da vida, para que elas percebam
que continuamos a existir e que essa
nova visão possa mudar profundamente a nossa maneira de viver.
Minha tentativa de adaptação a
essa nova forma de escrever foi
muito interessante, porque, de início, não sabia exatamente como me adaptar ao
médium para poder escrever. É
necessário que haja uma aproximação muito grande entre o pensamento
que nós temos com o pensamento do
médium. É esse o grande de todos nós
porque o médium precisa expressar aquilo que estamos intuindo a ele.
No início foi difícil, mas aos
poucos começamos a criar uma mesma forma de expressão e de pensamento, aí as
coisas melhoraram. Outros (médiuns)
pelos quais tento me comunicar enfrentam problemas semelhantes.
Foi uma surpresa saber
que poderia se comunicar pela
escrita mediúnica?
Não. Porque eu já sabia que muitas pessoas portadoras da
mediunidade faziam isso. Eu
apenas não me especializei, não procurei mais detalhes, deixei isso
para depois, quando houvesse
tempo e oportunidade. Imaginamos que haja outros padres que também queiram escrever
mediunicamente, relatarem suas
impressões da vida espiritual. Por que Dom Helder é quem está escrevendo?
Porque eu pedi. Via-me com a
necessidade de expressar aos meus
irmãos da Terra que a vida continua e que não paramos simplesmente quando nos colocam dentro
de um caixão e nos dizem
"acabou-se". Eu já pensava que continuaria a existir, sabia
que haveria algo depois da vida
física. Falei isso muitas vezes. Então, senti a necessidade de me expressar por um
médium quando estivesse em condições
e me fossem dadas as possibilidades. É isto que eu estou fazendo.
Outros padres, então,
querem escrever mediunicamente em
nosso País?
Sim. E não poucos. São muitos aqueles que querem usar a
pena mediúnica para poder expressar
a sobrevivência após a vida física. Não o fazem por puro preconceito de serem ridicularizados, de não serem
aceitos, e resguardam as suas
sensibilidades espirituais para não serem colocados numa situação
de desconforto. Muitos padres, cardeais
até, sentem a proteção espiritual
nas suas reflexões, nas suas prédicas, que acreditam ser o Espírito Santo, que na verdade são os irmãos
que têm com eles algum tipo de
apreço e colaboram nas suas atividades.
Como o senhor se sentiu em interação com o médium Carlos Pereira?
Muito à vontade, pois havia afinidade, e porque ele se
colocou à disposição para o
trabalho. No princípio foi difícil juntar-me a ele por conta de seus interesses e de seu trabalho. Quando
acertamos a forma de atuar, foi
muito fácil, até porque, num outro momento, ele começou a pesquisar sobre a minha última vida física.
Então ficou mais fácil transmitir-lhe
as informações que fizeram o livro.
O senhor acredita que a Igreja Católica irá aceitar suas
palavras pela mediunidade?
Não tenho esta pretensão.
Sabemos que tudo vai evoluir e
que um dia, inevitavelmente, todos aceitarão a imortalidade com naturalidade, mas é
demais imaginar que um livro possa
revolucionar o pensamento da nossa Igreja. Acho que teremos
críticas, veementes até, mas
outros mais sensíveis admitirão as comunicações. Este é o nosso propósito.
É verdade que o senhor já tinha alguns
pensamentos espíritas quando na
vida física?
Eu não diria espírita; diria
espiritualista, pois a nossa
Igreja, por si só, já prega a sobrevivência após a morte. Logo, fazermos contato com o plano
físico depois da morte seria uma consequência
natural. Pensamentos espíritas não eram, porque não sou espírita. Sem nenhum tipo de
constrangimento em ter negado alguns
pensamentos espíritas, digo que cheguei a ter, de vez em quando, experiências íntimas espirituais.
Igreja - Há as mesmas hierarquias no mundo espiritual?
Não exatamente, mas nós reconhecemos os nossos irmãos que
tiveram responsabilidades maiores e
que notoriamente tem um grau evolutivo moral muito grande. Seres do lado de cá se reconhecem rapidamente pela
sua hombridade, pela sua lucidez,
pela sua moralidade. Não quero dizer que na Terra isto não ocorra,
mas do lado de cá da vida isto é
tudo mais transparente; nós captamos a
realidade com mais intensidade. Autoridade aqui não se faz somente
com um cargo transitório que se
teve na vida terrena, mas, sobretudo, pelo avanço moral.
Qual seu pensamento sobre o papado na
atualidade?
Muito controverso esse assunto. Estar na cadeira de
Pedro, representando o pensamento
maior de Nosso Senhor Jesus Cristo, é uma responsabilidade enorme
para qualquer ser humano. Então
fica muito fácil, para nós que estamos de fora, atribuirmos para quem está ali
sentado, algum tipo de
consideração. Não é fácil. Quem está ali tem inúmeras
responsabilidades, não apenas
materiais, mas descobri que as espirituais ainda em maior grau. Eu posso ter uma visão
ideológica de como poderia ser a
organização da Igreja; defendi isso durante minha vida. Mas tenho que admitir, embora acredite nesta visão
ideal da Santa Igreja, que as
transformações pelas quais devemos passar merecem cuidado, porque não podemos dar sobressaltos na evolução.
Queira Deus que o atual Papa
Ratzinger (Bento XVI) possa ter a lucidez necessária para poder
conduzir a Igreja ao destino que
ela merece.
O senhor teria alguma sugestão a fazer para que a Igreja
cumpra seu papel?
Não preciso dizer mais nada. O
que disse em vida física, reforço. Quero apenas dizer que quando estamos do
lado de cá da vida, possuímos uma
visão mais ampliada das coisas. Determinados posicionamentos que tomamos, podem não estar em seu
melhor momento de implantação,
principalmente por uma conjuntura de fatores que daqui percebemos.
Isto não quer dizer que não
devamos ter como referência os nossos principais ideais e, sempre que possível,
colocá-los em prática.Espíritas no
futuro?
Não tenho a menor dúvida. Não
pertencem estes ensinamentos a
nossa Igreja, ou de outros que professam estes ensinamentos espirituais. Portanto,
mais cedo ou mais tarde, a nossa
Igreja terá que admitir a existência espiritual, a vida depois da
morte, a comunicação entre os
dois mundos e todos os outros princípios que naturalmente decorrem da vida
espiritual.
Quais são os nomes mais conhecidos da Igreja que estão
cooperando com o
progresso do Brasil no
mundo espiritual?
Enumerá-los seria uma
injustiça, pois há base em todas as
localidades.Então, dizer um nome ou outro seria uma referência
pontual porque há muitos, que são
poucos conhecidos, mas que desenvolvem do lado de cá da vida um trabalho fenomenal e
nós nos engajamos nestas
iniciativas de amor ao próximo.
Amor - Que mensagem o
senhor daria especificamente aos
católicos agora,
depois da morte?
Que amem, amem muito, porque
somente através do amor vai ser
possível trazer um pouco mais de tranquilidade à alma. Se nós não tentarmos amar do fundo dos
nossos corações, tudo se
transformará numa angústia profunda. O amor, conforme nos ensinou o Nosso Senhor Jesus Cristo, é a grande
mola salvadora da humanidade.
Que mensagem o senhor deixaria para nós, espíritas?
Que amem também, porque não há
divisão entre espíritas e católicos
ou qualquer outra crença no seio do Senhor. Não há. Essa divisão é
feita por nós, não pelo Criador.
São aceitáveis porque demonstram diferenças de pontos de vista, no entanto, a
convergência é única, aqui simbolizada
pela prática do amor, pois devemos unir os nossos esforços.
Que mensagem o senhor deixaria para os religiosos de uma
maneira geral?
Que amem. Não há outra
mensagem senão a mensagem do
amor. Ela é a única e principal mensagem que se pode deixar?
Autor: Dom Helder Câmara (espírito)
Médium: Carlos Pereira
Editora: Dufaux
Site: www.editoradufaux.com.br
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